TIC, desenvolvimento e redu��o da pobreza[1]

 

 

Susana Finquelievich

 

 

����������� Podem as tecnologias de informa��o e comunica��o (TIC) ter impactos eficazes na redu��o da pobreza na Am�rica Latina e no Caribe? Esses impactos podem ser registrados no curto e no m�dio prazos? No caso de serem positivos, devem-se a uma soma de microempreendimentos locais de aplica��o de TIC, ou a programas estatais ou regionais integrais? Como afetam a forma diferencial pela qual homens e mulheres sofrem a pobreza e o desemprego? O projeto �TIC e a redu��o da pobreza na Am�rica Latina e no Caribe� se prop�e a identificar em que medida e de que maneira as TIC podem ser usadas, em particular a Internet, para elaborar estrat�gias e pol�ticas p�blicas que respondam de forma adequada �s necessidades da popula��o, que estimulem o desenvolvimento sustent�vel e que incluam pelo menos quatro atores sociais: governos em todos os seus n�veis, o setor acad�mico, as empresas e as organiza��es da sociedade civil.

 

Gera��o de emprego

 

No que diz respeito � gera��o de emprego, os planos e os projetos implementados na maioria dos pa�ses da Regi�o n�o levam em considera��o o uso das TIC para capacitar os setores de menores rendas nas novas demandas do mercado trabalhista. Em v�rias ocasi�es, a �nica rela��o entre esses programas e as TIC � sua presen�a na Internet. Na Argentina, o Plano Donas e Donos de Casa implica apenas a recep��o, por parte da popula��o, de um �sal�rio� de 150$ argentinos (50U$). N�o h� nenhuma exig�ncia de trabalho ou de forma��o, embora uma etapa posterior bem que poderia treinar os desempregados no uso de ferramentas TIC. Entretanto, o uso de TICs permitiu a administra��o do projeto e sua relativa transpar�ncia: os nomes dos beneficiados aparecem listados na sua p�gina web.

No Brasil, embora seja oferecida forma��o para os desempregados, esta se baseia na gest�o e nas formas de cooperativismo, mais que na forma��o em TIC. No Chile, o Minist�rio do Trabalho e Previd�ncia Social implementou o Programa Pr�-emprego[2], entre outros, mas este sofre, tamb�m, de falta de forma��o espec�fica em TICs. O mesmo se repete nos demais pa�ses tomados como estudo de caso.

� poss�vel deduzir que n�o existem, na ALC, nem pol�ticas p�blicas nem programas que fa�am uso intensivo das TIC para definir popula��es-fim (por exemplo, tomar determinado bairro como experi�ncia-piloto, usar uma das TIC na forma��o ou na cria��o de postos de trabalho e, depois, repetir a experi�ncia de acordo com sua efetividade) com a finalidade de conseguir melhor integra��o da sociedade � SI. Al�m disso, salvo raras experi�ncias, estimula-se o associativismo da popula��o para a cria��o de cooperativas ou similares, e n�o se usa o potencial das TIC para isso.

Os pa�ses da ALC s�o mais produtivos no que se refere ao desenvolvimento de PyMES � muito vinculado � gera��o de empregos �, mas poucas s�o as experi�ncias em que se realiza uma articula��o real entre este setor e o uso de TICs, embora muitos planos e projetos o mencionem. Na Argentina, o Conselho Federal de Investimentos[3], CFI, p�s em marcha Centros de Acesso nas cidades capitais das prov�ncias argentinas: locais atendidos por pessoal treinado para as diferentes atividades que s�o desenvolvidas, para as quais se disp�e de uma sala com computadores e da infra-estrutura necess�ria para a realiza��o de v�deo-confer�ncias, semin�rios, cursos de capacita��o etc. Dentre os diversos objetivos que levaram o CFI a instalar esses centros destaca-se a contribui��o para a forma��o de v�nculos de coopera��o entre empres�rios e oferecer informa��es a PyMES.

O site Empresa do Minist�rio de Economia do Governo do Chile[4] lan�ouem maio de 2000 a Janela �nica para a Empresa[5], coordenando os esfor�os governamentais dos diferentes servi�os p�blicos e organismos da Administra��o do Estado. Oferece um conjunto de tr�mites e conte�dos p�blicos importantes para os empres�rios, por meio de servi�os on-line de Internet. Possui informa��o sobre os microempreendimentos e o fortalecimento das PyMES, dirigida a torn�-las foco de poss�vel gera��o de emprego e, sobretudo, de exporta��es. Al�m disso, oferece estat�sticas e eventos sobre esse desenvolvimento.

A Col�mbia tamb�m privilegia o desenvolvimento de PyMES. O Projeto Prymeros � Pymes na rede de com�rcio eletr�nico[6] faz parte da Agenda de Conectividade. Sua orienta��o � no sentido de desenvolver mecanismos que permitam o uso maci�o da Internet pelos empres�rios e o apoio direto mediante servi�os de capacita��o, diagn�stico e acompanhamento em consultoria, que assegurem a implementa��o de solu��es de com�rcio eletr�nico nas PyMES inscritas em comunidades empresariais. O Projeto Incentivos � inova��o tecnol�gica em PYMES[7] est� vinculado ao Minist�rio de Desenvolvimento Econ�mico por meio do Fundo Colombiano de Moderniza��o e Desenvolvimento Tecnol�gico das Micro, Pequenas e M�dias Empresas (FOMIPYME).

No Uruguai, a Intend�ncia Municipal de Montevid�u, em sua Unidade PyMES, criou o curso de custos e pre�os para empres�rios de micro e pequenas unidades, via Internet. A Unidade Pymes[8], com a colabora��o de Dednet (Distance Educational Network), IATE (Instituto Argentino de T�cnicas Empresariais) e IEVI (Instituto de Estudos Virtuais Iberoamericano) realizou � durante o ano de 2002 � a primeira edi��o do Curso.

 

Desenvolvimento comunit�rio e Planos alimentares

 

No que diz respeito a desenvolvimento comunit�rio e planos alimentares, eles s�o for�osamente numerosos, considerando que a pobreza e o desemprego aumentaram na Regi�o, mas, em sua maioria, apenas usam as TIC para a administra��o dos planos de assist�ncia social. No Brasil, o Minist�rio Extraordin�rio de Seguran�a Alimentar e de Combate � Fome implementou o Projeto Fome Zero[9]: uma proposta de pol�tica de seguran�a alimentar elaborada por mais de 100 especialistas, acad�micos e representantes da sociedade civil. O Minist�rio da Educa��o implementou o Programa Bolsa-Escola[10], cujo objetivo � erradicar a evas�o escolar no ensino fundamental por meio da transfer�ncia de renda, com o objetivo de incentivar a matr�cula e a perman�ncia na escola. O programa entrega recursos �s fam�lias pobres com filhos em idade escolar, por meio de um cart�o magn�tico. Este cart�o � tamb�m utilizado no Programa Fome Zero � � a �nica rela��o que os usu�rios dos programas t�m com as TIC.

Entretanto, o Brasil implementou uma iniciativa que deve ser assinalada: o Minist�rio de Assist�ncia e Promo��o Social implementou a Rede Articulada de Informa��es de Assist�ncia Social[11], uma ferramenta destinada a fortalecer um esquema de funcionamento de assist�ncia social baseado num sistema descentralizado e participativo. Pela primeira vez ser� poss�vel reunir, num �nico lugar, todas as informa��es de assist�ncia social no pa�s. Poder�o ser consultados indicadores sociais e demogr�ficos dos estados, munic�pios e regi�es. Al�m de informa��es sobre as a��es sociais financiadas pelo Fundo Nacional de Assist�ncia Social, tamb�m poder�o ser incorporadas ao Portal as a��es empreendidas e financiadas por outras esferas do governo e demais entidades da sociedade civil. Dessa forma, o Portal Internet de Assist�ncia Social dever� transformar-se na espinha dorsal do combate � pobreza e � exclus�o no pa�s. O Portal foi projetado para que todos os interessados e participantes do Sistema Nacional de Assist�ncia Social possam participar da cria��o da Rede Articulada de Informa��es de Assist�ncia Social, com o objetivo de facilitar o acesso �s informa��es e fomentaruso de ferramentas de apoio � gest�o de programas de assist�ncia social. Atualmente encontra-se dispon�vel de forma restrita, para os usu�rios internos do Minist�rio, por meio de uma Intranet.

No Chile, o Fundo de Solidariedade e Investimento Social (FOSIS)[12] � um servi�o p�blico descentralizado, presente em todo o pa�s, que financia � total ou parcialmente � planos, programas, projetos e atividades especiais de desenvolvimento social. Eles devem resolver problemas de receita ou de qualidade de vida e devem ajudar as pessoas a desenvolver atividades, capacidades e habilidades que permitam superar sua situa��o de pobreza. A comunidade pode ter acesso a esta informa��o no portal do FOSIS, que apresenta, tamb�m, dados sobre os projetos que obtiveram sucesso.

No M�xico, os programas referentes ao Combate � Pobreza e ao Desenvolvimento Social est�o sob a responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDESOL)[13], que conta com um Plano Nacional de Desenvolvimento. Sua miss�o � formular e coordenar a pol�tica social solid�ria e subsidi�ria do governo federal, orientada por uma vis�o do desenvolvimento social do M�xico at� o ano de 2025. O SEDESOL coordena dez Programas; nenhum deles se refere diretamente �s TICs, exceto o Programa Capacita��o e Fortalecimento Institucional[14]: contempla o uso de ferramentas de capacita��o � dist�ncia, que se realizam por meios inform�ticos e eletromagn�ticos, de comunica��o eletr�nica, sonoros e audiovisuais; tamb�m oferece apoio econ�mico para propostas de capacita��o e fortalecimento institucional apresentadas pelas OSC; servi�os de informa��o, assessoria e vincula��o e assessoria relativa � gest�o social e � formula��o de projetos produtivos e sociais; acesso sem custo ao Centro Documental e � base de dados do Sistema de Informa��o de Organiza��es Sociais do INDESOL.

 

Sa�de e TICs

 

No que diz respeito ao setor sa�de, encontram-se iniciativas interessantes, embora pouco desenvolvidas. No Brasil, o Minist�rio da Sa�de desenvolveu a Carteira Nacional de Sa�de[15], que possibilita a vincula��o dos procedimentos executados no �mbito do Sistema �nico de Sa�de (SUS). Foram feitos registros de usu�rios, de profissionais e de unidades de sa�de, a partir dos quais os usu�rios do SUS e os profissionais recebem um n�mero nacional de identifica��o. O sistema da Carteira Nacional de Sa�de � constitu�do por uma infra-estrutura de informa��o e de telecomunica��es, cuja fun��o � captar, armazenar e transmitir as informa��es sobre os servi�os realizados, bem como aplicativos desenvolvidos especificamente para o sistema da Carteira. Eles permitem a coleta de informa��es vinculadas com o atendimento realizado, contribuindo para a organiza��o dos servi�os de sa�de, para melhorar e ampliar o acesso dos usu�rios a eles. Dentro dos objetivos do projeto destacam-se a constru��o de uma base de dados da hist�ria cl�nica; a imediata identifica��o do usu�rio para agilizar o atendimento; a amplia��o e melhoria do acesso da popula��o aos medicamentos; a possibilidade de revis�o do processo de compra de medicamentos; a integra��o de sistemas de informa��o; a revis�o dos crit�rios de financiamento e racionaliza��o de custos; o acompanhamento, controle e auditoria do sistema de servi�os de sa�de; a gest�o de recursos humanos. Assim ser� poss�vel saber quem est� sendo atendido, por quem, onde, como e com que resultados.

Em Cuba, a maioria dos servi�os sociais que utilizam TIC parece ter se concentrado na �rea da sa�de. A Infomed[16] se prop�e a formar uma rede telem�tica integrada de acesso e de gest�o da informa��o e do conhecimento, que se ap�ia nas TIC, para melhorar o atendimento m�dico, a doc�ncia, a pesquisa e a gest�o da sa�de. Surgiu em 1992 como uma necessidade de desenvolver as redes acad�micas mantidas por TIC, como alternativas de acesso � informa��o relacionada com as ci�ncias m�dicas. Infomed recebe forte apoio do Governo. Organiza��es como o Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organiza��o Pan-americana de Sa�de (OPAS) deram importantes contribui��es para seu desenvolvimento. O Sistema Nacional de Sa�de cubano conta com uma infra-estrutura de informa��o e comunica��o que une todas as suas institui��es, seus profissionais e t�cnicos entre si e com o resto da sociedade.

Em sua fase de experimenta��o, o Programa introduziu pela primeira vez, em Cuba, o uso do WebTV para facilitar o acesso � Rede por parte dos consult�rios do m�dico de fam�lia. Esta tecnologia permite utilizar o televisor para conectar-se � rede por meio dos servi�os dos sites Web. Este Programa recebeu o Pr�mio Stockholm Challenge 2002, pelo m�rito de resolver a limita��o de recursos e de melhorar a sa�de da comunidade utilizando as TIC de forma custo-benef�cio, ao criar uma rede nacional e internacional de informa��o e de conhecimento.

 

O subemprego das TIC

 

Em s�ntese, as pol�ticas nacionais detectadas quanto ao est�mulo ao desenvolvimento sustent�vel e ao combate � pobreza, longe de estar orientadas ao fortalecimentos das comunidades, trabalham sempre sobre problemas conjunturais. Caracterizam-se por serem pontuais, dispersas, fragmentadas; das experi�ncias identificadas � poss�vel concluir que essas iniciativas ainda est�o longe de evoluir para pol�ticas estruturais, permanentes e efetivas. Tanto as pol�ticas de desenvolvimento comunit�rio, caracterizadas pelo assistencialismo, como as pol�ticas de emprego, cujos tra�os dominantes s�o: n�o capacitar a for�a de trabalho � tanto empregada como desempregada � para as ferramentas da nova economia, contribuem para agravar a fragmenta��o das pol�ticas e programas de luta contra a pobreza. Embora muitos dos pa�ses estudados possuam ou consigam recursos financeiros para seus planos assistenciais, assim como redes de infra-estruturas de acesso � Internet (como os Centros Tecnol�gicos Comunit�rios da Argentina), tais recursos n�o s�o utilizados para capacitar a popula��o em massa � sobretudo a popula��o desempregada � no uso de TICs.

Esta tend�ncia pode ser observada, tamb�m, na falta de articula��o � tanto das pol�ticas de emprego como daquelas de desenvolvimento comunit�rio � com as pol�ticas e estrat�gias dirigidas ao desenvolvimento de PyMES como fontes prim�rias e poss�veis de emprego e objetivos de moderniza��o tecnol�gica, relativa tanto aos modelos de neg�cios como aos paradigmas de reorganiza��o da produ��o. Existe uma grave desarticula��o entre as tr�s inst�ncias: gera��o de empregos, desenvolvimento comunit�rio e planos alimentares, e desenvolvimento e promo��o de PyMES.

Para que esta articula��o exista, o uso de TICs e das ferramentas da Sociedade da Informa��o tornam-se imprescind�veis. Em geral, pouqu�ssimas estrat�gias, pol�ticas, planos e programas detectados consideram as potencialidades das TIC para tais objetivos. O esbo�o dos programas identificados que incluem as TIC como ferramentas no combate � pobreza dever� ser, provavelmente, uma segunda fase a ser atingida. Embora os programas analisados usem TIC para sua administra��o, praticamente nenhum deles planeja, no momento, usar as TIC para articular as tr�s inst�ncias mencionadas anteriormente. Esta tend�ncia se reflete no que diz respeito ao setor sa�de: encontram-se iniciativas promissoras sobre o uso de TIC em sa�de p�blica, sobretudo no Brasil e em Cuba, mas, em geral, as pol�ticas estatais ainda n�o consideram a necessidade de inclus�o das TIC nas estrat�gias de melhoria da sa�de da popula��o, tanto preventiva como assistencialmente. As experi�ncias de sucesso detectadas, nesse sentido, t�m origem no setor privado da sa�de e no setor associativo.



[1] Este artigo se baseia no projeto de pesquisa �TIC e redu��o da pobreza na Am�rica Latina e no Caribe�, financiado pelo IDRC, do qual participaram os pesquisadores Silvia Lago Mart�nez, N�stor Correa, e os assistentes Alejandra Jara e Ariel Vercelli. Neste projeto foram analizados, em particular, via Internet, os programas governamentais da Argentina, do Brasil, do Chile, da Col�mbia, de Cuba, do Peru, do M�xico, do Uruguai e da Venezuela.

[2] http://www.mintrab.gob.cl/interiores/pro_empleo.html

[3] http://www.cfired.org.ar/esp2/indices/f_1.htm

[4] http://www.sitioempresa.cl/

[5] www.sitioempresa.cl

[6] http://www.agenda.gov.co/enlinea/articulos/26/

[7] http://www.agenda.gov.co/enlinea/articulos/28/

[8] http://www.montevideo.gub.uy/pymes/capacita.htm

[9] http://www.fomezero.gov.br/,

[10] http://www.mec.gov.br/bolsaescola/default.asp

[11] http://www.assistenciasocial.gov.br/optimalview/optimalview.urd/portal.show

[12] http://www.fosis.cl/Portal.asp

[13] http://www.sedesol.gob.mx/index/main.htm

[14] http://www.sedesol.gob.mx/programas/capacitacion.htm

[15] http://www.saude.gov.br/cartao/

[16] www.infomed.cu y http://www.infomed.sld.cu/