Carlos Bianco, Gustavo Lugones e Fernando Peirano*
A recente revolu��o no campo das tecnologias da
informa��o e das comunica��es (TICs) abriu um processo de profundas mudan�as
pol�ticas, culturais e econ�micas. O movimento deste processo, que nos conduz �
denominada �Sociedade da Informa��o ou Sociedade do Conhecimento�, despertou um
grande interesse nos c�rculos pol�ticos, jornal�sticos, empresariais e
acad�micos. E com ele, a necessidade de contar com informa��o fidedigna
tornou-se imperativa. Para propiciar uma resposta a esta demanda, � necess�rio
contar com um sistema de indicadores que abordem especificamente os
aspectos-chave deste fen�meno social e tecnol�gico. N�o s� para compreender e
monitorar seu desenvolvimento, mas tamb�m para contar com uma ferramenta que
permita orientar a a��o p�blica e privada a fim de aproveitar as oportunidades
e suavizar os riscos que uma transforma��o destas caracter�sticas encerra.
A conforma��o deste sistema de indicadores referidos �
SI requer que seja superada uma s�rie de obst�culos e restri��es. Uma das
primeiras dificuldades � dada pelas caracter�sticas do fen�meno a ser medido.
Sem d�vida, estamos diante de uma tem�tica t�o nova quanto extensa, fazendo com
que a SI seja um assunto sumamente complexo. Por enquanto, s� se tem um
conhecimento rudimentar e sabe-se ainda menos sobre como ela se expressa em
cada contexto local. Portanto, a falta de um marco te�rico, que permita abordar
o tema com maior facilidade, aparece como uma das primeiras quest�es a serem
resolvidas.
Outra dificuldade se origina no fato de que estamos
diante de um processo que, ainda que seja global, n�o � homog�neo. Os
indicadores a serem adotados t�m que ter a qualidade de poder ser comparados
internacionalmente, mas, ao mesmo tempo, devem ser capazes de captar
adequadamente a diversidade de situa��es locais.
Tamb�m existem restri��es quanto �s metodologias de
coleta de dados. A crescente demanda de estat�sticas referentes ao processo de
transi��o para a SI tornou-se uma nova exig�ncia para os sistemas estat�sticos
nacionais, intensificando as restri��es tanto or�ament�rias quanto t�cnicas
existentes nos pa�ses da Am�rica Latina para a produ��o de informa��o fi�vel,
especialmente em temas recentes e sumamente din�micos. Algumas consultoras,
institui��es acad�micas e c�maras setoriais trataram de satisfazer esta demanda,
mas houve disparidades nos resultados. Na maioria dos casos, a informa��o
fornecida � de qualidade duvidosa enquanto que, em outros casos, s� se
conseguiu oferecer uma mera compila��o de cifras. Portanto, no contexto Latino-americano, o desenvolvimento de um sistema
de indicadores necessita analisar tanto os aspectos metodol�gicos (esquema de
indicadores, pautas para a coleta e processamento da� informa��o etc.) quanto as quest�es que dizem respeito �
participa��o coordenada dos agentes respons�veis pela gera��o da informa��o.
No tocante � arquitetura institucional do sistema,
seria conveniente come�ar assinalando que se observa que a pr�pria natureza do
fen�meno leva a uma grande dispers�o das fontes de informa��o. Normalmente, os
dados e registros necess�rios para alimentar o sistema de indicadores de SI
encontram-se nos institutos de estat�stica nacionais, nos organismos p�blicos
encarregados das �reas de comunica��es, ci�ncia e tecnologia e de educa��o,
c�maras empresariais, grandes empresas, organismos multilaterais, unidades
acad�micas e consultoras privadas etc. Diante desta situa��o, n�o seria
conveniente tentar impor uma �nica fonte como sendo v�lida � e que dificilmente
poder� cobrir todo o leque de temas abrangidos - mas optar por uma estrat�gia
de trabalho em rede a partir da coopera��o entre as diferentes fontes. Neste
sentido, considera-se a necessidade de que apare�a a figura de um coordenador
da rede que garanta a participa��o harmoniosa dos diferentes agentes e
propicie as condi��es necess�rias para atingir um consenso sobre pautas
metodol�gicas comuns. T�o importante quanto saber o que medir e como o
fazer, � o trabalho do coordenador da rede que deve assumir a tarefa espec�fica
de compilar e homogeneizar a informa��o proveniente de diferentes agentes a fim
de garantir sua coer�ncia e qualidade.
A partir destas observa��es e equipara��es,
formulou-se uma proposta que pretende ser um marco de refer�ncia para os v�rios
agentes envolvidos com o fim de canalizar esfor�os e atingir uma verdadeira
sinergia entre as a��es que est�o sendo realizadas. Esta proposta foi
estruturada em torno � denominada �Matriz
de indicadores da Sociedade da Informa��o� e pretende ser uma contribui��o
para a tarefa de estabelecer as bases de um sistema de indicadores vi�vel e
pertinente no �mbito Latino-americano, capaz de descrever os aspectos centrais
do processo de transi��o para a SI.
Dada a complexidade e amplitude dos temas contidos na
SI, optou-se por n�o abordar o objeto de estudo como um todo, mas sim de forma
segmentada, mesmo sem renunciar � perspectiva multidisciplinar, para, depois,
no momento da an�lise, propiciar uma vis�o integradora. Portanto, e de acordo
com as restri��es e pautas surgidas, formulou-se um instrumento que ainda se
encontra em fase de desenvolvimento e que poderia muito bem ser caracterizado
como modular, flex�vel, gradual e cooperativo.
Como mencionado anteriormente, esta proposta
metodol�gica se expressa e sintetiza num esquema matricial. Consideramos que a
utiliza��o deste recurso de representa��o permite destacar, transmitir e
contextualizar com maior facilidade os principais conceitos e aspectos
envolvidos. Como se observa na figura N� 1, este esquema est� composto de duas
grandes �reas. Por um lado, quatro setores ou atividades que constituem a base
ou suporte necess�rio para a configura��o de uma SI din�mica e amplamente
extensa: Educa��o, Ci�ncia e Tecnologia, Inform�tica e Servi�os de Grande Valor
Adicionado, e Telecomunica��es.
Estas quatro atividades ou setores configuram a �Submatriz de Difus�o e Aproveitamento da
Informa��o e do Conhecimento� que ocupa a segunda entre as �reas
mencionadas e que, por esta raz�o, tivemos que sobrepor � anterior na figura
abaixo. Esta submatriz est� formada a partir de quatro eixos tem�ticos �
infra-estructura, capacidades, investimentos e esfor�os acumulados, aplica��es
- cruzados por quatro fileiras referentes aos agentes - empresas, lares,
governo, outras institui��es-.
![]() |
Os n�veis alcan�ados por uma sociedade em mat�ria de
educa��o, ci�ncia e tecnologia, bem como o desenvolvimento da ind�stria de
softwares e das telecomunica��es incidem e condicionam, favor�vel ou negativamente,
o desenvolvimento da SI. Precisamente, s�o estes setores os que conformam o
marco dentro do qual o resto dos atores e agentes sociais tentam aproveitar, da
maneira mais f�cil e melhor poss�vel, as ferramentas dispon�veis para criar e
administrar a informa��o, assim como a crescente oferta de bens e servi�os
intensivos em conhecimentos. Com a inclus�o destes setores, procura-se dar
maior destaque ao estado da situa��o e �s principais tend�ncias de certas
atividades que acabam sendo necess�rias, ainda que n�o suficientes para a
conforma��o e consolida��o da SI. A id�ia subjacente � simples: quanto menor
for o grau de desenvolvimento destes setores, mais dificuldades e obst�culos
encontrar�o os agentes econ�micos e sociais para assimilar as pr�ticas e ferramentas
diferenciadoras da SC.
No tocante �s possibilidades de medi��o, � vi�vel
encarar a abordagem quantitativa destas atividades a partir de uma sele��o dos
indicadores setoriais j� gerados atualmente. N�o obstante, � poss�vel que a
sele��o tenha que vir acompanhada de uma reinterpreta��o da informa��o surgida
a partir dos indicadores �tradicionais� tendo-se em conta o conjunto dos
processos em curso.
A Submatriz de An�lise
da Difus�o e Aproveitamento da Informa��o e do Conhecimento (SADA) est�
composta de quatro colunas e quatro fileiras. As colunas expressam as
principais vari�veis te�ricas ou eixos tem�ticos a serem avaliados. Os agentes
sociais e econ�micos aparecem nas fileiras. O enfoque baseado nestes quatro
agentes surge a partir de uma escolha e, obviamente, n�o � a �nica maneira de
abordar o amplo e complexo conjunto de situa��es que surgem com o despontar da
SI. A prefer�ncia por esta alternativa ap�ia-se em que se trata da melhor
maneira encontrada para conjugar a capacidade explicativa com a
viabilidade de aplica��o. Al�m disso, parece oportuno destacar que tal
como ela est� formulada, facilita o �di�logo� com outras metodologias dado que
as categorias propostas (fileiras) podem associar-se rapidamente aos conceitos de
e�business, e-government, e- entertainment, e-learning, e-health etc.
No come�o deste documento, destacamos que esta
proposta metodol�gica tentou tratar em sua formula��o as dificuldades e
restri��es dos sistemas de gera��o e compila��o de informa��o estat�stica da
Am�rica Latina. Neste sentido, parece importante sublinhar a possibilidade e
conveni�ncia de gerar informa��o utilizando tanto metodologias de tipo
�apreciativos� quanto �quantitativos�. Diferentemente do que acontece com as
outras propostas, o enfoque modular deste instrumento permite satisfazer a
demanda informativa de forma combinada. Ao ser organizada em m�dulos, nossa
proposta permite que cada um dos aspectos possa ser abordado atrav�s de uma
t�cnica de coleta de informa��o mais conveniente ou f�cil de ser aplicada em
cada caso. Para alguns m�dulos, ser� poss�vel oferecer dados estat�sticos
enquanto que em outros ser� poss�vel dispor de informa��o proveniente de consultas
e fontes qualificadas. Por outro lado, a ado��o de uma postura de exclus�o
apresenta uma amea�a de atentado contra a viabilidade de sua aplica��o.
A �nfase colocada na possibilidade de combinar
enfoques de aproxima��o para cada um dos aspectos ou m�dulos a serem relevados
encontra plena justifica��o quando se reconhece a import�ncia de gerar
informa��o que permita apreciar em toda sua extens�o e complexidade o �abismo
digital�. As diferen�as existentes, nesta tem�tica, entre pa�ses e
continentes podem ser verificadas com certa facilidade. Mas, talvez sejam ainda
mais profundos e preocupantes os contrastes que est�o surgindo dentro de grupos
sociais ou de regi�es que at� h� pouco tempo se consideravam homog�neos em
mat�ria de capacidades e possibilidades de desenvolvimento.
Neste sentido, parece sumamente recomend�vel que, em
lugar de tomar a totalidade da extens�o geogr�fica do pa�s como unidade de
an�lise para aplicar o esquema metodol�gico proposto, fa�a-se uma op��o por
regi�es mais delimitadas. � �bvio que isto representa uma nova exig�ncia para
os sistemas estat�sticos j� que ser�o requeridos dados sobre temas que s� h�
pouco come�aram a ser levantados e sua pesquisa n�o se realizar� de forma
regional ou local. Assim sendo, um mesmo m�dulo ou aspecto pode conter
indicadores provenientes de dados quantitativos quando se refere a uma cidade,
prov�ncia ou distrito importante al�m de informa��o resultante das consultas a
especialistas para as �reas em que o sistema estat�stico ainda n�o gera algarismos
desagregados. Em definitiva, diante da crescente demanda de informa��o e do
interesse em formular pol�ticas e a��es orientadas para reduzir o abismo
digital, considerou-se importante dar prioridade � gera��o de respostas
baseadas em crit�rios comuns atrav�s de uma metodologia que possa ser aplicada
a unidades geogr�ficas ou a tem�ticas que n�o tenham sido objeto de aten��o no
passado. Ao mesmo tempo, esta resposta, que talvez seja parcial ou at� mesmo
superficial, contribui para sensibilizar sobre a necessidade de melhorar e
ampliar os estudos e fontes estat�sticas.
A estrutura modular do instrumento tamb�m apresenta
outra interessante deriva��o. O fato de que cada intersec��o entre fileiras e
colunas da SADA - junto com os setores que a enquadram - fa�a alus�o a um
aspecto espec�fico do fen�meno da Sociedade da Informa��o faz com que, uma vez
decidido o esquema geral e ao ter-se chegado a um acordo sobre os crit�rios
metodol�gicos b�sicos, cada agente possa escolher o m�dulo que lhe pare�a de
maior afinidade ou para o qual possua maiores compet�ncias. Isto implica em que
a rede possa possivelmente ser enriquecida atrav�s da participa��o de outros
agentes, al�m dos respons�veis pela gera��o da informa��o, como unidades acad�micas
ou usu�rios qualificados. Esta diversidade de agentes pode enriquecer
sobremaneira o sistema de informa��o.
Assim, � muito prov�vel que, a partir das
recomenda��es e do trabalho de cada grupo, surjam novas subfileiras e
subcolunas que permitir�o enriquecer o esquema geral. Desta forma, cada grupo
de desenvolvimento trabalhar� com a expectativa de que suas contribui��es ser�o
somadas e combinadas com as realizadas pelas outras equipes.
Em outras palavras, atrav�s do trabalho coordenado ou
cooperativo, o esquema e, sobretudo, a SADA, ir�o ganhando profundidade. Cada
m�dulo surgido da intersec��o de fileiras e colunas pode transformar-se numa
nova submatriz com seus pr�prios agentes e eixos tem�ticos A experi�ncia acumulada
at� o momento indica que, com certeza, a abordagem de cada m�dulo requerer�
resolver quest�es te�ricas e pr�ticas de grande import�ncia. A constru��o de
indicadores � um desafio que n�o se restringe � t�cnica de coleta de
informa��o.
Tamb�m necessita, mais do que normalmente pode
parecer, um s�lido marco te�rico. Antes de come�ar a propor indicadores para
cada m�dulo e a proceder ao seu c�lculo, ser� necess�rio compreender e
conceituar o fen�meno que se deseja quantificar. Sem um marco te�rico s�lido, a
possibilidade de identificar corretamente os elementos-chave do fen�meno corre
grandes riscos, j� que os esfor�os de medi��o podem se distrair ao enveredar
para quest�es que n�o apresentem os pilares constitutivos dos processos nem a
din�mica dos mesmos. Em definitiva, parece sensato pensar que cada grupo ou
m�dulo tem�tico dever� compreender e formular um marco conceitual ligado a seu
tema espec�fico (que dever� ser coerente com o esquema geral, caso se aspire a
uma associa��o dos resultados obtidos por outros grupos ou equipes),
estabelecer as vari�veis te�ricas e os indicadores que apresentem aspectos
relevantes do fen�meno em estudo e desenvolva os instrumentos que permitam
obter a informa��o estat�stica desejada.
* Centro de
Estudios sobre Ciencia, Desarrollo y Educaci�n Superior (REDES), Argentina
(www.centroredes.org.ar).
[1] No �mbito da Segunda Oficina de
Indicadores da Sociedade da Informa��o - 27 e 28 de fevereiro de 2003, Lisboa-
organizado pela Rede Ibero-americana de Indicadores de Ci�ncia e Tecnologia
(RICYT - Programa CYTED) e a Unidade de Miss�o Inova��o e Conhecimento
(Presid�ncia do Conselho de Ministros - Portugal), foi apresentada uma proposta
metodol�gica para a constru��o de indicadores que apresentem o estado atual e
as caracter�sticas assumidas pela Am�rica Latina nos processos de transi��o
para a Sociedade da Informa��o. Este artigo apresenta um resumo desta proposta.
A vers�o integral pode ser obtida no endere�o www.centroredes.org.ar.