Devemos debater sobre o direito � comunica��o
com mente aberta
Estamos perto da primeira fase
da C�pula Mundial
sobre a Sociedade da Informa��o e um dos resultados mais esperados � o
pronunciamento sobre os direitos humanos em mat�ria de comunica��o.
Neste
�mbito, intensifica-se o debate sobre o conceito e os conte�dos do direito �
comunica��o. No entanto, � preocupante ver que uma parte deste debate est�
sendo realizada a partir de vis�es parciais que podem induzir a resultados est�reis.
Neste sentido, � especialmente inquietante essa pobre discuss�o sobre o tema a
partir de uma perspectiva latino-americana.�
Considerando
esta situa��o, queremos ressaltar alguns elementos que talvez possam contribuir
para uma reflex�o e avivem uma discuss�o mais profunda e integral. Assim,
tamb�m lan�amos um apelo para que o assunto seja abordado com mente aberta e a
partir de todos os �ngulos poss�veis.
Antecedentes
Proposto
pela primeira vez por Jean D�Arcy no fim dos anos 60 no contexto do que, na
�poca, era um fervente debate acerca de uma nova ordem internacional em
comunica��o, o tema do direito � comunica��o ainda � uma id�ia
inacabada e inovadora diante das formas tradicionais de ver a comunica��o, que
v�o dos direitos ao campo da comunica��o.
A proposta
b�sica de D�Arcy pode ser resumida nestas palavras: �Hoje em dia, parece
poss�vel dar um novo passo adiante: o direito do homem � comunica��o como
resultado de nossas �ltimas vit�rias contra o tempo e o espa�o, assim como
nossa maior consci�ncia sobre o fen�meno da comunica��o. Este direito
fundamental estava impl�cito e subjacente desde a origem de todas as liberdades
conquistadas, tais como a da opini�o, a da express�o, da imprensa e da
informa��o. O aparecimento das m�quinas, que se interp�em entre os homens,
fez-nos esquecer de sua exist�ncia. Hoje, vemos que este direito engloba todas
as liberdades, mas, al�m disso, traz, tanto para os indiv�duos quanto para as
sociedades, as no��es de acesso e participa��o na informa��o e na corrente bilateral
da informa��o, no��es necess�rias, como sabemos, para o desenvolvimento
harmonioso do homem e da humanidade.�1
A pergunta �
qual nos levam estas palavras � se os pressupostos atuais dos Direitos Humanos
em comunica��o s�o ou n�o s�o mais adequados para englobar a comunica��o como
processo interativo bi ou multilateral e de di�logo.
Como
resposta a esta interroga��o, criou-se a necessidade de construir um novo
direito que, para ser reconhecido formalmente, dever� passar por um longo
processo.
O problema
reside justamente no fato de o direito � comunica��o ser hoje em dia mais que
um direito definido, conforme destacamos anteriormente, sendo um campo
disciplinar a partir do qual podemos discutir e compreender todos os
impactos que fen�menos como a digitaliza��o e a converg�ncia das tecnologias da
comunica��o e informa��o e a pr�pria comunica��o de massas produziram na vida
social e no quotidiano das pessoas.
Neste
sentido, a tarefa de reflex�o avan�a a passos lentos e existem d�vidas
plaus�veis de que se possa chegar a tempo para conseguir, na C�pula Mundial sobre a Sociedade
da Informa��o, uma Declara��o dos Direitos � Comunica��o.
Diante desta
situa��o, n�o podemos nos esquecer que as tradicionais liberdades de express�o
e informa��o t�m a vantagem de serem reconhecidas como direitos fundamentais
nos principais instrumentos internacionais de Direitos Humanos, assim como em
praticamente todas as constitui��es do mundo.
Alguns
argumentos
At� agora,
muitas das reflex�es sobre o tema levavam a construir um novo direito �
comunica��o que, segundo alguns autores, era radicalmente diferente das
liberdades de express�o e informa��o. Um direito que rompia com os direitos
existentes. Nesta linha, autores como Antonio Pascuali, por exemplo, refletem
sobre o tema sugerindo a necessidade de um corte radical entre os velhos
direitos na comunica��o - as liberdades � e o novo direito.1
Apesar disso, seus argumentos, pelo menos a partir de uma teoria dos
direitos humanos, s�o discut�veis. N�o s�o levados em considera��o os avan�os
no que diz respeito �s exigibilidades a partir dos direitos j� existentes e as
possibilidades de lhes dar novos alcances adaptados � �poca atual. Isto,
segundo o sentido que o autor citado anteriormente d� � sua reflex�o, n�o �
poss�vel. Tampouco se considera o car�ter sistem�tico dos direitos humanos que
faz com que sejam vistos como um todo � um corpus integral -.1
Pelo visto,
o novo conceito de direito � comunica��o, contrariamente ao que pensam alguns
analistas, n�o deveria, em nossa opini�o, querer substituir as no��es
anteriores, mas sim inclu�-las dentro de uma vis�o integral e interativa
da comunica��o como processo de interc�mbio de significados.
�
O mais grave � que esta linha de an�lise baseada na descontinuidade e
oposi��o entre as liberdades de express�o e informa��o e o novo direito �
comunica��o pode levar a uma estrat�gia enganosa na qual os setores da
sociedade civil apostem tudo no reconhecimento de um novo direito e esque�am os
outros procedimentos de a��o. A pergunta seria colocada neste contexto: E
enquanto conseguimos que seja reconhecido o novo direito, o que acontece?
N�o existe argumento forte o bastante que impe�a ver uma continuidade
nos direitos, produto de uma evolu��o hist�rica dos padr�es internacionais de
prote��o dos direitos humanos.
Apesar de terem surgido em contextos hist�ricos anteriores � o das
revolu��es burguesas ocidentais (s�culo XVIII) no caso da liberdade de
express�o, e o do p�s-guerra (s�culo XX) no tocante � liberdade de informa��o
-, estes conceitos est�o continuamente sendo revistos, produto da tarefa de
coletivos sociais que pressionam para que eles tenham novos alcances. Uma
amostra disso � a relativamente recente Declara��o de Princ�pios sobre a
Liberdade de Express�o da Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos, na
qual outorgam novos alcances a este direito, reconhecido, neste caso, no artigo
13 da Conven��o Americana sobre Direitos Humanos.
[1] Cf. �Breve glosario razonado de la
Comunicaci�n y la Informaci�n para comprender y comprenderse mejor�. Doc.
Caracas, mar�o de 2003.
[1]
Consultar sobre o tema o Curso Sistem�tico de DDHH no site www.iepala.es
Ent�o, por
que desconsiderar os direitos existentes e n�o os ver como oportunidades de
a��o. Tom�-los como instrumentos de luta para um direito � comunica��o mais
amplo depende muito � como diria Buenaventura de Souza Santos � do �uso
alternativo� que se pode dar a estes conceitos e da capacidade dos agentes
sociais em conceber novos significados a partir desses conceitos, redescrevendo
� nos moldes de R. Rorty em sua obra Iron�a, Contingencia y Solidaridad
� ou, se preferirem, reescrevendo e dando outro significado a categorias como
�liberdade de informa��o� ou de �express�o�.
Neste sentido, recomendamos uma estrat�gia heterodoxa e n�o radical
de negar e deslegitimar os direitos reconhecidos, procurando inventar outro
direito diferente, tarefa que, por outro lado, � ilus�ria.
O grande
desafio �, ao mesmo tempo que se continua lutando a partir dos direitos
reconhecidos, partir da filosofia para apresentar propostas concretas sobre
esse direito � comunica��o. Este trabalho est� sendo realizado por grande parte
dos interessados no tema, organiza��es e academias, a partir de v�rias
perspectivas e com diferentes intensidades.
O problema
passa tamb�m pela articula��o dos fundamentos conceituais do direito �
comunica��o e por eus conte�dos. Atualmente, existem muitos trabalhos que
enfatizam a complexidade do tema e que, a partir de uma ret�rica filos�fica,
procuram salientar a import�ncia de um novo direito � comunica��o,
experimentando defini��es de tipo normal. Sem deixar de ter import�ncia, esta
a��o deve desembocar num trabalho de defini��o mais t�cnico sobre quais seriam
os direitos espec�ficos � comunica��o que ainda n�o foram tratados dentro desta
perspectiva interativa e de di�logo que sup�e a comunica��o.
Certos
trabalhos recentes fizeram finca-p� neste exerc�cio de precis�o, tentando
integrar elementos dos direitos anteriores � j� consagrados � aos novos
direitos em mat�ria de comunica��o. Assim temos, por exemplo, o projeto de Declara��o
sobre o Direito � Comunica��o de Cees Hamelink, que prop�e como
elementos-chave neste campo alguns elementos j� existentes enquanto direitos,
agrupando-os em direitos de informa��o, direitos culturais, de prote��o,
coletivos e de participa��o. 1
A lei
internacional � um �processo vivo�, disse o pr�prio Cees Hamelink, ao responder
�s cr�ticas a um documento, formuladas pela organiza��o Article 19.1
Esta afirma��o teria, em nosso opini�o, pelo menos duas implica��es: a primeira
� que a partir dos direitos humanos j� reconhecidos pode-se ir adiante na
tarefa de lhes dar significados mais abrangentes que possibilitem visualizar e
proteger a �rea da comunica��o e, a segunda seria desenvolver um processo mais
lento de introdu��o de novos direitos espec�ficos que estivessem em harmonia
com os j� existentes.
A quest�o �
saber se estas duas implica��es se referem a op��es antag�nicas ou se se pode
optar por uma estrat�gia que as integre. Consideramos que o antagonismo
mencionado � irrelevante diante da necessidade de integrar as duas
perspectivas. Isso s� � poss�vel se se fizer um bom trabalho t�cnico de
defini��o dos direitos.
Trabalhar sem colaborar para uma defini��o s�lida do direito �
comunica��o ou, como fez Hamelink, segundo a cr�tica de Article 19,
propondo conte�dos concretos, mas que constitu�am uma repeti��o de textos sobre
direitos j� consagrados ou, o que � ainda pior, com novas formula��es que
afetam direitos antigos como a liberdade de express�o, s�o todas alternativas
que podem levar, mais que a um resultado efetivo, a graves retrocessos no
posicionamento sobre o tema.
[1]
Ver www.crisinfo.org
[1] Ver as cr�ticas de Article
19 em www.article19.org/1512.doc
, e a resposta de Hamelink em //lac.derechos.apc.org/wsis
No tocante � cr�tica sobre o documento de Hamelink, coincidimos em boa
parte com as primeiras cr�ticas formuladas em Article 19. Hamelink, numa
recente resposta, n�o rebateu o argumento de que seu documento duplica
formula��es de direitos j� existentes e o faz de forma pol�mica, ainda que
tivesse destacado tratar-se de uma esp�cie de primeira tentativa que, em fun��o
disso, � perfect�vel. Tamb�m disse algo muito importante: que o direito � comunica��o
poderia ser um tipo de �guarda-chuva� que re�ne todos os direitos relacionados,
id�ia esta que partilhamos.
Portanto, insistimos, sobretudo a partir de uma perspectiva
latino-americana, em que � poss�vel trabalhar garantindo os direitos existentes
e, ao mesmo tempo, desenvolvendo propostas de conte�dos espec�ficos de novos
direitos � comunica��o que tenham que ver com necessidades concretas de acesso,
participa��o, uso e apropria��o das TIC no contexto da Sociedade da Informa��o.
Assim, � preciso desenvolver a melhor maneira de enunciar estas necessidades
como direitos, mas tamb�m � necess�rio criar uma harmoniza��o entre estes
conceitos t�o recentes e os direitos j� existentes.
Al�m disso, a partir de uma �tica estrat�gica, devemos continuar o trabalho
de nova significa��o ou reescrita que amplie a prote��o que possa existir a
partir dos direitos tradicionais, sobretudo atrav�s da interposi��o de demandas
e peti��es com o conseq�ente trabalho junto aos tribunais e ju�zes, al�m das
a��es de conhecimento e socializa��o. Estes s�o aspectos que n�o podemos
negligenciar.
Mais do que superar estas dificuldades, o mais importante deste
trabalho, a partir de um enfoque de direitos realmente integral e sistem�tico,
� enfrentar uma �real pol�tica� dos governos e organismos internacionais
decididores que privilegia o crescimento econ�mico em detrimento das
necessidades humanas, e come�ar a promover uma no��o de dignidade humana numa
sociedade da informa��o com liberdade, mas, ao mesmo tempo, justi�a e solidariedade.
Em soma,
trabalhar a partir do j� existente n�o exclui procurar novos conceitos para os
assumir e reivindicar como direitos. N�o existe oposi��o entre as duas tarefas.
Este � um posicionamento mais realista e � urgente faz�-lo a partir da realidade
latino-americana.
E Mail: [email protected]